
terça-feira, 3 de agosto de 2010
terça-feira, 22 de junho de 2010
Bastidores da Humanidade
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Dia desses deu vontade de escrever.
Coisa que faço com frequência,
Por gosto ou por exigência.
Surgiu até essa rima sem querer...
Dia desses deu vontade de escrever.
É que gosto de me aventurar no universo das palavras. Gosto de vê-las clamando por minhas mãos, desejosas de saírem da condição de silêncio, para assumir a escrita que lhes é possível. Gosto de deixar que me ofertem as possibilidades que de suas mãos se desprendem gentilmente. Escrever é uma forma de desbravar as trilhas da existência, de conjugar o mundo das ideias, o território dos sentimentos, os solos da percepção, os bastidores da humanidade.
Mas é verdade que há razões que nos surpreendem… Nos roubam a fala e o possível da definição. São motivos que não cabem na estreiteza dos conceitos. Extrapolam os limites da grafia, pois pertencem a algo que não sabemos nomear ou expressar no formato próprio das palavras. São parte de um todo que é muito mais do que a soma das partes. São saudades… São contatos… São ausências… São distâncias… São sorrisos… São presenças… São perdas… São olhares… São conquistas…!!!
É quando com essas me deparo que permito-me a experiência do silêncio que desconcerta, e sou conduzido a contemplação do acolhimento a que vida me proporciona, no inefável dos seus instantes e significados.
E assim vou seguindo os meus passos, desejoso de aprender ainda mais esse jogo da vida, e extrair-lhe a lição de que tanto necessito para prosseguir em frente, em meio à sinuosa trilha dos dias…
Bastidores da Humanidade
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Tenho recebido mensagens fantásticas de amigos pelo e-mail. Muitas delas são histórias permeadas de grandes oportunidades de reflexão e que, por isso, nos são úteis para enxergar a vida e seu constante movimento de travessia, de modo que possamos perceber onde nos encontramos e de que modo estamos em meio a suas tramas inquietas e curvas surpreendentes. Assim, gostaria de partilhar neste post uma dessas histórias. É um convite para olharmos mais de perto os bastidores de uma vivência pessoal, cujos percalços vêm repletos de significado e força de aprendizagem para o cultivo de nossos passos na vida.
Elton Garcia (Bastidores da Humanidade)
RESPONSABILIDADE SOCIAL
"Um gari nas ruas de São Paulo"
Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são "seres invisíveis, sem nome". Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade pública", ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.

Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:
- ‘Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência’, explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. ‘Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão’, diz.
Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo, os garis são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.
A função daquele trabalho de mestrado era compreender e analisar a condição de trabalho dos garis, e a maneira como eles estão inseridos na cena pública. Ou seja, estudar a condição moral e psicológica à qual eles estão sujeitos dentro da sociedade.
“Eu vesti um uniforme que era todo vermelho, boné, camisa e tal. Eu tinha a expectativa de me apresentar como novo funcionário, recém-contratado pela USP pra varrer rua com eles. Mas os garis sacaram logo, entretanto nada me disseram. Existe uma coisa típica dos garis: são pessoas vindas do Nordeste, negros ou mulatos em geral. Eu sou branquelo, mas isso talvez não seja o diferencial, porque muitos garis ali são brancos também. Você tem uma série de fatores que são ainda mais determinantes, como a maneira de falarmos, o modo de a gente olhar ou de posicionar o nosso corpo, a maneira como gesticulamos.
Os garis conseguem definir essas diferenças com algumas frases que são simplesmente formidáveis. Um exemplo: Nós estávamos varrendo e, em determinado momento, comecei a papear com um dos garis. De repente, ele viu um sujeito de 35 ou 40 anos de idade, subindo a rua a pé, muito bem arrumado com uma pastinha de couro na mão. O sujeito passou pela gente e não nos cumprimentou, o que é comum nessas situações. O gari, sem se referir claramente ao homem que acabara de passar, virou-se pra mim e começou a falar: ‘É Fernando, quando o sujeito vem andando, você logo sabe se o cabra é do dinheiro ou não. Porque peão anda macio, quase não faz barulho. Já o pessoal da outra classe você só ouve o toc-toc dos passos. E quando a gente está esperando o trem logo percebe também: o peão fica todo encolhidinho olhando pra baixo. Eles não. Ficam com olhar só por cima de toda a peãozada, segurando a pastinha na mão’”.
“No primeiro dia de trabalho os garis já deixaram muito claro que eles sabiam que eu não era um gari. Fui tratado de uma forma completamente diferente. Os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também. Eles não deixaram eu viajar na caçamba, quiseram que eu fosse na cabine. Tive de insistir muito para poder viajar com eles na caçamba. Chegando ao lugar de trabalho, continuaram me tratando diferente. As vassouras eram todas muito velhas. A única vassoura nova já estava reservada para mim. Não me deixaram usar a pá e a enxada, porque era um serviço mais pesado. Eles fizeram questão de que eu trabalhasse só com a vassoura e, mesmo assim, num lugar mais limpinho, e isso tudo foi dando a dimensão de que os garis sabiam que eu não tinha a mesma origem socioeconômica deles.”
“No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: ‘E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?’ E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.”
E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou? “Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se estivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.”
E quando você volta para casa, para seu mundo real? “Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma ‘COISA’. ” Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!
